Cheguei a uma conclusão terrível. No outro dia fui ao cinema, o ar condicionado devia estar avariado e a sala estava gelada. No final da sessão a minha companhia disse-me que eu tinha sido muito querido em ter-lhe oferecido o meu casaco. Automaticamente, como quem é atingido por um raio, esbugalhei os olhos e pensei: Oh não, eu sou um cavalheiro!
Eu já desconfiava que havia algo de muito errado comigo: Quando entro ou saiu de qualquer lado com elementos femininos, cedo-lhes sempre a passagem. Mas nunca pensei que o caso fosse tão sério até fazer um flash-back e chegar à conclusão de que a minha vida tem sido um pesadelo de bons modos e gestos amáveis. Até já cheguei ao cúmulo de ceder o meu lugar no autocarro, a senhoras que não eram velhas nem sequer estavam grávidas! E outras alturas houve, em que saí com mulheres que estavam completamente doidas por mim e não tentei nada com elas, por ser o primeiro encontro! E agora que penso nisso, também já por uma ou outra vez abri a porta do carro a mulheres. E o mais grave, é que nem sequer o fiz por alguém estar de mini-saia e se tratar de uma estratégia premeditada para captar despercebidamente um ângulo sórdido tipo paparazzi. Se assim fosse, ainda tinha alguma desculpa.
Como é que eu vou conviver comigo próprio daqui para a frente? Será que esta doença - que à falta de melhor - chamarei, “Síndrome Paula Bobone”, tem cura? Ou estou condenado a passar a minha existência a ser atencioso e bem intencionado? Conseguirei sobreviver apesar de tanto ajudar a vestir casacos, servir o vinho ou ajeitar cadeiras?
Se vocês acham que é horrível conviver com o medo de ataques terroristas, imaginem o que é passar a vida permanentemente ensombrado com a possibilidade de chegar o dia em que vou imobilizar-me em frente a um W.C dos HOMENS e pensar para comigo, “não, não, isto não é para ti. Tu só entras em lavabos para CAVALHEIROS!”