Estou convencido que ser escritor é a profissão mais sobrevalorizada do mundo. Mas o que é que há assim de tão especial numa pessoa, que a única coisa que faz na vida é usar e misturar palavras, que nem sequer são dele e, até já existem há uma carrada de tempo? E será mesmo necessário demonstrar essa obcessão por juntar palavras, exaustivamente e em centenas e centenas de páginas, durante uma vida inteira?!
Como é que surge esta admiração fora de comum pelos escritores?
Quando alguém está completamente entediado com a conversa de um tipo que não se cala e de repente é informado que está perante um escritor, hão-de reparar como a sua atitude muda completamente: os homens começam a acenar com a cabeça, a concordar com tudo que ele diz e a treinar a sua pose mais altiva; já as mulheres, tocam-se. Mexem no cabelo e no pescoço, engalanando-se, enquanto se derretem em sorrisos. O que é apetece perguntar-lhe é: Teve um orgasmos intelectual, foi?
E agora perguntam vocês: mas como é que sabes que as pessoas se deixam deslumbrar por alguém que se apresenta como sendo escritor? Ora, meus amigos, exactamente por tudo isto que acabei de explicar é que ser escritor, é também a ocupação profissional mais em voga em conversas de engate! Toda a gente sabe isto. Nenhuma resulta melhor. No meu caso, em que já é oficial que estou a ficar velho, o segredo é descentrar a atenção de questões meramente físicas e eleva-las para o plano da intelectualidade. Nenhuma outra carreira encerra tanta possibilidade empírico-sexual. No fundo é como se as mulheres já estivessem rendidas antes mesmo de chegarmos a sacar da caneta (peço desculpa pela metáfora brejeira mas eu não sou escritor).
Há no entanto quem prefira fazer-se passar por arqueólogo marítimo. Não posso negar que arqueólogo marítimo também tem muita saída.
Outros ainda, (vá-se lá saber porquê) gostam que elas pensem que eles são futebolistas. Eu pessoalmente nunca vou por aí. Encarnar um futebolista, nem que seja só por um bocadinho, só para conseguir contrapartidas sexuais, é demasiado humilhante (até para um sujeito disponível para se humilhar o suficinte para ao ponto de mentir sobre o que faz na vida). Além de que imitar um futebolista llimita bastante a conversa. Senão vejam: para me fazer passar por um futebolista que se preze e ser convincente tinha que responder sempre com uma daquelas tiradas estereotipadas ou uma frase feita. E isso pode ser muito chato. Exemplo: Se me perguntassem se eu gostei do lombo de porco assado do jantar teria que responder:
- Bem, o mais importante não é se eu gostei do lombo de porco, o mais importante é que a equipa venceu a fome. Até porque estávamos todos a comer o mesmo. Era uma refeição difícil, no entanto sabíamos que tínhamos de respeitar o cozinheiro e comer tudo. No final acho que os objectivos foram inteiramente cumpridos, esvaziamos as travessas e estamos todos de parabéns. Agora vou comemorar com uma sobremesa, talvez uma baba-de-camelo, ainda não sei.
Quanto as escritores toda a gente tem uma curiosidade enorme sobre eles e toda a gente adora fazer-lhes perguntas e bajula-los. E para provar como eles são valorizados, as perguntas que se fazem aos escritores NÃO SE FAZEM a mais nenhum profissional.
Reparem:
Como é que começou este seu gosto pela escrita?
Como é que começou este seu gosto pela metalomecânica?
Que livro é que está a escrever agora? Que móvel é que está a lixar agora?
Quem é que mais o influenciou na sua carreira? Quem é que mais o influenciou na sua carreira, senhor árbitro?
Sempre sonhou ser escritor desde pequeno? Sempre sonhou ser funcionário público desde pequeno?
Você sabia que o seu primeiro livro mudou a minha vida? Você sabia que o seu primeiro exame à próstata mudou a minha vida?
Como é que surgiu a ideia para o seu último livro? Como é que surgiu a ideia para o seu último axioma matemático?
Dá-me um autógrafo? Dá-me um bilhete prá Damaia?
Como é que têm sido as críticas ao seu último livro? Como é que têm sido as críticas ao seu último pneu recauchutado?