Quando daqui umas décadas os historiadores se dedicarem a estudar esta primeira parte do século XXI, não a vão certamente caracterizar como a época das novas tecnologias da comunicação e da informação global. Não, para todo o sempre, o que toda a gente se vai lembrar, é que este foi o tempo em que... se assassinaram os sabonetes. Os bons velhos sabonetes! O que eu gostaria de saber é porquê! Alguém me pode explicar o que é que os sabonetes fizeram assim de tão errado, para quererem acabar com eles?
Digam-me por favor, se souberem, em que é que ficámos a ganhar com a chegada do gel de banho, do creme para lavar as mãos ou do sabonete líquido? Que é que nos vão propor a seguir, sabonete em gás?
Reparem, devemos deixar a nossa pele à mercê de um produto tão efémero e fugaz como o gel de banho? Até que ponto podemos confiar num líquido pastoso, que não conseguimos sequer agarrar convenientemente e que mesmo debaixo dos nosso olhos, nos escapa entre os dedos das nossas mãos com tanta facilidade?
Como devem compreender não podia deixar passar em claro, esta injustiça para com o sabonete tradicional. Acho que há aqui qualquer coisa de muito estranho e de muito errado.
Já perguntaram a vós próprios, se por trás desta meteórica subida ao poder dos sabonetes líquidos, não estarão os tentáculos dos poderosos lobbies das luvas de banho e das esponjas? O problema de fundo não estará na gradual perca de influência da pouco audaciosa e nada competitiva, industria de saboneteiras?
Desculpem-me o desabafo mas são dúvidas que tinha de deixar a marinar no vosso espírito.
Será que esta gente não percebe o mal que está a causar ao mundo? Será que já pararam para pensar, por um segundo sequer, o seguinte: com o fim anunciado dos sabonetes, como é que vai ser a vida sexual nas prisões?
E mais grave ainda: antigamente os casais viviam belos momentos de intimidade, ao compartilharem o mesmo sabonete no banho. Quantas e quantas vezes as nossas companheiras iam tomar um duche e se deparavam, num mesmo sabonete, com um harmonioso e intrincado emaranhado de pelos púbicos, pelos do peito, pelos das costas. Lembram-se desses dias felizes? Pois é, lamentavelmente tudo isso vai acabar. Não tenho pudor nenhum em afirmar que a industria da cosmética, ao pôr termo à partilha de sabonetes, está a contribuir de forma gritante e irreversível para um cada vez maior isolamento e o crescente culto do individualismo na nossa sociedade.
Confesso que tempos houve, em que tive dificuldades em compreender porque é que eu, tal como tantas e tantas pessoas, insistia em guardar sabonetes em todas as gavetas que me aparecessem à frente. Agora sei. Agora cada vez que parcimoniosamente oculto um escarlate sabonete de glicerina sob um par de meias ou cuecas, dou por mim a pensar em mim e nessas pessoas como La Résistance. Inconscientemente e sem o sabermos, o que nós – La Résistence - estamos a fazer com este simples gesto, não é mais que transformar cada gaveta, num pequeno bunker para os nossos sabonetes. Como se instintivamente soubéssemos que mais cedo ou mais tarde eles correriam perigo e que o holocausto dos sabonetes estava para breve.
Serão estes os dias do fim? Haverá ainda esperança para os sabonetes? Ainda iremos a tempo de evitar a sua extinção? Não será chegada a hora de nos unirmos todos sem mais demoras e fundar a Liga Portuguesa da Protecção do Sabonete e do Sabão Azul e Branco?
(Quem não se lembra do inestimável Sabão Azul e Branco? O Sabão Azul e Branco é um inequívoco símbolo da cultura portuguesa tal como o Galo de Barcelos, O Manguito das Caldas, A Açorda, O Azulejo ou A Fuga ao Fisco.)