De quando em vez, quiçá impelido por uma certa curiosidade mórbida, dá-me para folhear ou tentar ler alguns livros de certos e determinados autores ou autoras, denominados light. Nunca mais tenho emenda.
Posto isto, o próximo texto é o resultado de um exercício que eu tentei levar a cabo sobre a temática: “Se eu me esforçasse bastante será que conseguiria escrever tão mal como a Margarida Rebelo Pinto?”
CAPÍTULO XVI BLOQUISTAS E MATRIOSKAS
Ali estava por fim, no apartamento dela. Já começava a perder a esperança de a apanhar assim sozinha, disponível, mas agora que estávamos sós (logo agora que estávamos sós), sentia-me simplesmente agoniado. A culpa era toda do intenso cheiro a incenso que habitava a sala e pelos vistos, toda a casa. Diversos pauzinhos estrategicamente colocados ardiam irritantemente. Enquanto isso, eu agonizava e iam-se esfumando as probabilidade da noite ser tão perfeita quanto planeara. Felizmente, íamos já na terceira garrafa de vinho verde. Somente o álcool e os mirones dissimulados que deitava para o seu decote pungente, na esperança que os seus seios fartos saltassem para fora a qualquer instante, me impediam de desmaiar.
No sofá roxo, entre nós, permanecia uma insidiosa muralha de almofadas.
- Na última reunião do Bloco, tive de me levantar e berrar que devíamos mas era fazer a manifestação totalmente nuas! - disse ela. - Aah... - balbuciei eu enquanto confirmava com estranheza que eram efectivamente 14 almofadas. - O Chico disse logo que era uma ideia gira mas só se não depilássemos os sovacos. – retorquiu ela divertida. - ...Aargh - completei eu. Depois sorvi mais um demorado trago de vinho. - As reuniões do Bloco são um fartote de rir. E tu, não te tenho visto na rua, tens ido a que manifestações?
No mesmo instante que eu me preparava para arrancar do peito uma tosse que tivesse tudo para ser crónica, o telemóvel dela tocou. Como sou um tipo sofisticado e consigo ter pensamentos em várias línguas, cogitei: Save by the polyphonic bell. Ela saiu para atender e eu perguntei-me pela primeira vez se o vinho seria suficiente. Despejei o resto da garrafa no copo, vi-me livre de meia dúzia de almofadas e tentei relaxar. À minha frente, sobre o fogão de sala, dois peixes vermelhos fitavam-me impávidos.
- Peixes vermelhos? Claro, só podia. Aposto que tu te chama karl e tu, Marx. – Tartamudeei eu entre arrotes. - Oiçam lá, e se eu dissesse à vossa camarada, que com uns lábios carnudos daqueles podia muito bem dispensar a filosofia política por uma noite e empenhar-se a sério em orar obscenidades agarrada à minha gaita? – inquiri eu – Hum? Acham que ela alinhava? Os peixes não me responderam. Optaram por ficar ali a abrir e fechar a boca, o que, bem vistas as coisas, também era uma óptima resposta.
Não sei quanto tempo terei estado com estes devaneios ébrios. Agora ela chamava-me. Quando me levantei do sofá é que percebi o quanto me tinha embriagado. Estava tão bêbado que ouvia a sua voz a dobrar. Mesmo assim, trôpego, de copo na mão e cansado da tarefa penosa de ultrapassar o território minado de almofadas, dei com ela, no quarto.
- Entra e fecha a porta. - casquinou vendo o meu estado, enquanto mexia na nuca com a mão. Como é que as mulheres descobriram que só por se tocarem gentilmente no occipício, podem deixar os homens loucos de prazer?
Bebi o último trago de vinho para ter de não engolir em seco. No entanto, nada me preparara para o que viria a seguir. O quarto estava repleto de velas acesas, de todas as formas e feitios! Bem, talvez esteja a exagerar. De facto, não consigo garantir que estariam por lá velas sextavadas ou até oitagonais.
- Gostas? – ronronou ela já dentro do raio de acção do meu hálito nuclear. - Rrrghh... - pigarreei eu.
Quem por esta altura possa considerar que eu me encontrava perante um momento deveras romântico, nunca esteve por certo fechado num quarto impregnado do fumo de cera queimada. A situação em que me encontrava era esta: sabia que a combustão das velas tornaria o ar irrespirável e que pouco depois, só dióxido de carbono restaria no cubículo. Pior: se tentasse apagar as velas, o ar tornar-se-ia mais pesado e tóxico que o ambiente numa co-incineradora.
- Põe-te à vontade. Não demoro nada, vou só à casa de banho vestir qualquer coisa mais confortável.
Ora, onde é que eu já ouvi esta?, consegui ainda pensar. Porque é que todas as mulheres, mesmo as sindicalistas, não vestem logo à partida roupa confortável? Será espírito de sacrifício? Passam tanto tempo a arranjar-se, como é que ainda assim, conseguem escolhem roupa desconfortável? Conclui que nunca iria perceber esse mistério e muito menos naquela noite.
Os meus olhos turvos caiam agora sobre a parede por trás da cama. Não havia dúvidas: lá estava uma enorme bandeira com o imagem do Che Guevara.
- Foda-se! – praguejei eu bem alto com angustia e também uma certa satisfação, por neste género de escrita não-literária, ficar sempre bem usar-se um palavrão de vez em quando.
Isto foi a gota de água! Senti naquela hora que se havia duas circunstâncias que me impediriam de realizar qualquer performance sexual em condições, seria perante a presença do Che. Ou da Cher. O meu pior pesadelo estava a acontecer.
Não perdi mais tempo, corri porta fora sem nenhuma intenção de votar ou voltar. Cheguei à rua, levantei as golas do casaco como faz qualquer um que queira parecer misterioso.
Há dias de manhã, que um homem à tarde não deve sair à noite, nem chegar a casa de madrugada, sentenciei para comigo próprio.
E continuei a andar, em passo acelerado através da noite fria, tão silenciosa como um sino a replicar no vácuo.