Um psicólogo (Psi) está sentado no seu cadeirão. No sofá está um casal (Ele e Ela). Estão muito juntos e sempre agarrados. O psicólogo é o mais inexpressivo possível em contraste com o casal. São ambos tão emotivos que até se “atropelam” a falar.
Psi Por favor, sintam-se livres de começarem quando estiverem preparados. Aqui não há pressão, temos muito tempo.
Ela Sabe, é a primeira vez que fazemos isto...
Ele Pois é sô Doutor, é difícil começar, não é Gorete, filha?
Psi Que tal se começassem por contar o problema que vos trouxe cá?
Ela Aí é que está o problema sô Doutor...
Ele Saber o que é que são problemas...
Psi Como assim?
Ela Ó sô doutor, nós não conseguimos ter problemas. Pronto, já disse. O problema é mesmo esse, não é Ruben, mori?
Ele Por muito que nos custe dize-lo, a verdade é que nós somos felicíssimos. Não podíamos ser mais felizes.
Ela Sabe, sô doutor, quando se sente que se descobriu realmente a alma gémea? Comigo e com o Ruben, é assim. O Ruben conhece-me tão bem que até é capaz de completar o resto das minhas...
Ele Frases...
Ela Ouviu, sô Doutor? Não é...
Ele: Maravilhoso?
Psi Sim, parece que estou a começar a perceber. Digam-me, e isso já dura há muito tempo?
Ela Ah, conhecemo-nos já vai para 8 anos e sempre tivemos este problema.
Ele Desde que nos vimos pela primeira vez que é assim. E o pior é que só estamos bem coladinhos um ao outro.
Psi Efectivamente parecem duas lapas.
Ela Veja bem que nem sequer nos conseguimos chatear.
Ele Ó sô doutor, será que somos assim por termos sido feitos um para o outro?
Psi Bom, não vamos já precipitar-nos a tentar deduzir as causas do problema sem antes o discutirmos e o percebermos profundamente. Quer dizer então que nunca tiveram uma briga, uma zanga, nem sequer um pequeno arrufo momentâneo?
Pausa. Ele e Ela olham um para o outro com olhar cúmplice.
Ela (quase a chorar) Bem, aconteceu uma vez. Eu nem gosto de pensar nisso.
Ele Calma Gorete, filha, respira fundo. Sabe sô doutor, ficamos sempre envergonhadíssimos cada vez que nos lembramos. Foi de facto uma experiência muito dolorosa e traumatizante.
Psi Por favor, estão aqui é para isso mesmo, para desabafar, para tirar o peso daquilo que mais vos perturba.
Ela (tom dramático) Lembro-me tão bem, foi numa sexta-feira. Nunca mais me vou esquecer daquela noite terrível.
Ele Tínhamos os dois tido uma semana muito dura de trabalho...
Ela Eu olhei para o meu Tutu e apercebi-me logo que ele estava de rastos.
Ele E eu achei que a minha Chupeta ainda estava mais cansada que eu. Por isso, eu disse-lhe para não se preocupar com nada que preparava-lhe um banho com sais, fazia-lhe um jantarzinho...
Ela E eu disse que não, que de maneira nenhuma, que ele é que estava cansado, que se devia sentar no sofá a ver televisão, que eu levava-lhe os chinelos, uma cervejinha, o jornal desportivo...
Ele: Eu aí comecei a insistir, a insistir...
Ela: Eu também a insistir, a insistir tanto que quando damos por ela, não é que estávamos a discutir senhor doutor?
Psi: Então e como é que resolveram a questão?
Ele: Olhe, não tivemos outra alternativa senão fazer cedências de parte a parte. Antes que a coisa começasse a ficar mesmo feio convenci-a a irmos jantar fora.
Ela: E eu aceitei, MAS, só se fosse com o meu dinheiro. É um dinheirito extra que eu ganho a fazer uns bordados, uns naperons e assim, para as amigas...
Ele E eu concordei com isso MAS ela tinha que me deixar fazer-lhe uma longa massagem quando chegássemos a casa para tirar o stress todo da coluna!
Ela E prontos, eu também concordei. ISTO É, se ele me deixasse levantar bem cedinho para lhe preparar o pequeno almoço e levá-lo à cama.
Ele E então doutor, não nos esconda nada, o nosso caso é muito grave?
Psi Bem, o vosso caso é no mínimo preocupante. Mas nada está perdido. Vamos tentar encontrar a melhor solução para o vosso problema. Por exemplo, vocês vivem sozinhos?
Abanam ambas a cabeça a confirmar.
Psi Pois muito bem, e porque é que o senhor não experimenta levar a sua sogra a morar convosco durante uns tempos? É uma coisa que costuma resultar com muitos casais.
Ele Ó sô doutor mas eu adoro a minha sogra, é a melhor sogra do mundo! Uma santa é o que ela é. Ainda por cima deu-me o maior presente que se pode ter na vida, que é o meu Rebentozinho de Soja!
Muitos beijos repenicados.
Ela Obrigado, meu Electrão!
Juntam ao pontas dos dedos e imitam um choque eléctrico.
Psi Então é o jogo?
Ele O jogo? Que jogo, sô doutor?
Psi Podiam a começar a meter-se no jogo, na roleta, nos casinos, sei lá. Começavam por perder algum dinheiro, depois, com o vício, perdiam uma fortuna, tinham que hipotecar a casa, vender o carro, em breve a vossa vida estaria completamente destabilizada e aí garanto-vos que íamos ter problemas.
Ele (alegremente) Ó sô doutor, eu nem à sueca gosto de jogar. É uma coisa que me enerva, pronto.
Ela Eu só se for ao “burro em pé”. Mas é muito raro, só quando o rei faz anos.
Psicólogo começa a arranhar na cabeça.
Psi Bom, só se tentarmos alguma espécie de terapia. Talvez uma terapia de grupo, com casais com problema similares ao vosso. Deixem-me cá ver. (folheando uma agenda) Bem, tenho aqui um casal que nunca sequer pensou em bater nos filhos...
Ela Acha que é capaz de resultar?
Psi Se calhar não é assim tão boa ideia. É que eles não são nada violentos e as vezes um pouco de agressividade ajuda nestas coisas. Quem é que temos mais. Bem, há um outro casal... Ele só pensa em limpar e arrumar a casa, principalmente a casa de banho e ela não consegue viver assim, com tudo tão organizado. Mas não, também é complicado marcar hora. Sabe como é, ele está sempre muito ocupado. Bom, não estou a ver mais soluções para terapias.
Ela: Por favor sô doutor, tem de nos ajudar, nós estamos desesperados.
Psi: (perdendo a paciência) Olhem, e se em vez de terapia de grupo experimentassem antes sexo em grupo.
Ela: Sexo em grupo? Mas há sexo em grupos... de mais de 2 pessoas?!
Psi (a empolgar-se) Com certeza. Estão a ver assim um valente bacanal, tudo à mistura, uma pura orgia de sexo e depravação? Sem olhar a valores morais, com o espírito totalmente aberto, (agora completamente excitado) tudo aberto, tudo com todos, tudo nu, tudo doido, um descontrole total, perderem completamente as estribeiras, libertarem-se, transformarem os vossos corpos em perfeitos objectos sexuais, carregados de líbido, de luxúria, de desejos meramente carnais, de um erotismo total e incontrolável...!
O casal olha para o psicólogo completamente aterrorizados e abraçam-se ainda mais um ao outro, enterrados no sofá.
Ele: Pois... bem... olhe... nós temos mesmo de ir embora, não é querida?
Levantam-se.
Ela
É... é, foi, foi muito esclarecedor.
Psi (limpa a testa, suado do entusiasmo e levanta-se também) Esperem um pouco, há mais soluções! Não querem ouvir? Porque é que o senhor não arranja uma amante? Porque é que não filma tudo e mete na internet? Hum? E a senhora, deite-se com 3 indivíduos de côr no vosso leito nupcial! Faça um strip-tease completamente embriagada num jantar com a mãezinha dele. Que tal? Não me digam que não?
Ele (saindo) Obrigado, obrigado doutor, vamos pensar nisso. Obrigado, obrigado.
Saem. O médico senta-se de novo, acende um charuto descontraindo-se.
Psi Estava difícil de me livrar destes dois, porra.