Cheira-me que hoje vai ser um grande dia. Vou ao concerto dos Keane ao Coliseu. Estou desejoso de ver como é que se desenrascam em palco, três tipos só com uma bateria, um piano e uma voz. Como bónus, ainda há Rufus Wainright, O Irrepreensível . Num dia assim, só não chora quem não tem coração.
Entretanto já ouvi dizer que os Keane vêm fazer a primeira parte dos U2. Ora ainda bem, é que assim só perco 50% do concerto de 14 de Agosto.
E pronto, não escrevo um texto sobre os Keane porque de maneira nenhuma seria capaz de fazer melhor do o que li no Quase Famosos. Aqui fica ele com a devida vénia ao autor.
OS VIRGENS SUICIDAS
A primeira vontade que dá é a de ir até ao Coliseu dos Recreios no dia 10 de Março só para esbofetear a carinha pré-púbere do vocalista Tom Chaplin. Só para o interromper quando está a cantar de olhos fechados, com todo o sentimento do mundo, o Somewhere Only We Know (lá, lá, lá), e gritar-lhe ao ouvido: “Ó meu menino, deixa o leitinho e as angústias neo-românticas de trazer por casa e vem lá beber uma ginginha com o pessoal!”.
Essa é a primeira vontade. A segunda é a de lhe perguntar como é que ele, Tim Rice e Richard Hughes, os outros rapazes dos Keane, foram capazes de misturar o som dos Travis e dos Gene com arranjos e melodias à festival da canção (tipo canções do Chipre). A terceira é a de dizer aos cachopos que a ideia do voto de castidade é um erro que lhes vai custar caro pela vida fora. A quarta é a de acabar o sermão com um stage diving sobre a corja de adolescentes aí presente. É sabido: os Keane são, ao lado dos escoceses Franz Ferdinand, a grande revelação pop britânica de 2004. Acabam de ganhar, imagine-se, dois Brit Awards na categoria “Melhor Revelação Britânica” e “Melhor Álbum Britânico”. Se quisermos ir por aí, os Keane são a versão assexuada dos Franz Ferdinand. Os Franz Ferdinand têm garra, atitude, criatividade. Os Keane têm pieguice. Os Franz Ferdinand têm uma, aliás, duas guitarras furibundas. Os Keane têm um piano lamechas. Os Franz Ferdinand são um grupo de artistas que ocupou uma mansão decadente em Palmela. Os Keane são um grupo de jovens com perfil de escuteiros que se junta nas noites de quinta-feira numa salinha da igreja de Arroios.
O nome do seu único álbum diz tudo sobre a idade real e emocional destes meninos de coro: Hopes and Fears. Traz 11 temas (ou faixas, se passarem numa rádio de província). 11 poeminhas sobre este mundo lixado em que vivemos, este mundo de sombras e luzes, em que um homem, sabem, às vezes sente-se só, perdido e abandonado. Tenham pena.
A questão que se coloca é tão simplesmente esta: todos nós já passámos por essa fase. A menos que tenhamos 16 anos e andemos a ler Keats e Shelley pelos bosques de Sintra. Os Keane fazem pop teen, com emoções teen, com uma pose teen - basta assistir à estética bucólica/lírica do videoclip da música que abre o álbum para perceber o imaginário. Pop teen para quem gosta de ler Eugénio de Andrade.
Sim, todos nós já quisemos ter uma banda com os amigos do liceu para mostrarmos o quão somos sensíveis e talentosos (e é de admitir que, aqui e ali, há bonitas cançonetas e melodias). Todos nós já quisemos cantar canções como This is the Last Time, todos nós já quisemos saltar na pradaria a repetir versos como «This is the last time/ That I will show my face/ One last tender lie/ And then I’m out of this place». Todos nós já fomos para os rochedos lamentarmo-nos pelo facto de toda a gente estar a mudar - menos nós. Mas depois, poças!, crescemos. Ou seja: passámos a fazer tudo isso às escondidas.
Nuno Costa Santos (texto publicado no jornal A Capital do dia 13 de Fevereiro de 2005)