Passo bastante tempo do dia a ouvir rádio. Tal acontece porque ando muito de carro e sobretudo porque o meu auto-rádio é tão velho que nem sequer desconfia que existem coisas estranhas como CD's.
Ouvir rádio, para mim, significa quase só ouvir música. Apenas uma ou outra vez polvilhada com um pouco de informação. Nada mais em rádio me interessa, nada mais acho suportável. Com excepção dos programas da manhã. Nesses, podem fazer e dizer o que bem entenderem, porque estou demasiado ensonado para conseguir que tudo aquilo que dizem, passe de um mero ruído de fundo que me impede de adormecer. (Por programas da manhã entendam-se todos aqueles que ocorrem até à hora de almoço, altura do dia em que o meu cérebro, por norma, começa a revelar alguns sinais de actividade.)
Quando oiço rádio não quero ouvir discos pedidos, receitas de culinária, relatos de futebol, recitações do terço, concursos, jogos da mala, fóruns, aconselhamento sobre colchões ortopédicos. Publicidade então, é que não consigo mesmo tolerar. Os anúncios radiofónicos provocam-me otites. Quando começa a publicidade fico sempre nervoso, temendo que uma voz nasalada me assuste com algo assim:
UMA PRETA DE PENTELHEIRA LOIRA OU UMA BRANCA COM ELA ENCARAPINHADA, NÃO É NATURAL. O QUE É NATURAL E FICA BEM, É CADA UMA USAR A PASSARINHA COMO NASCEU!
NOVA GILETTE WOMAN 600 – SHAVE ON YOU!
Depois há também aquelas rádios mais comerciais que de tempos a tempos, lá conseguem enfiar uma ou outra música no intervalo da publicidade. Se não me engano, parece que existe mesmo uma rádio que faz questão de declarar, “E agora... 27 anúncios seguidos sem interrupções”. Essa pode muito bem ser a mesma que passa a vida a propagandear “mais música nova”. Normalmente este slogan antecede uma música dos Abba, dos Village People ou do Bryan Adams. Ficamos pois a saber, que qualquer música pode ser considerada “música nova”, se foi escrita depois de terem inventado os microfones.
Temos ainda rádios que só servem para ocasiões especiais. É o caso da RFM. Alguém sabe o que significa RFM? Eu esclareço: Rádio da Fornicação na Mata. Como o próprio nome indica, a RFM e o seu programa “Oceano Pacífico” arrasam a concorrência no horário nocturno em tudo o que é automóvel. É deveras impressionante constatar como a RFM tem conseguido ao longo dos anos, assegurar o monopólio das audiências em praticamente todos os veículos parados junto ao rio, atrás de sebes, em pinhais, pomares e outros locais escuros e pouco frequentados.
Por tudo o que aqui já referi, há apenas duas rádios que eu consigo ouvir. Não vou dizer quais são porque essas estações não têm culpa nenhuma disso e não tenho o direito de as prejudicar.
Claro que posso sempre optar por ouvir rádios locais. No entanto torna-se desgastante estar continuamente a rir à parva. Durante uns minutos ainda sou capaz de ouvir os seus carismáticos locutores ou as suas enebriantes escolhas musicais, mas mais do que isso, a minha saúde não mo permite.
Este Verão, aquando da chegada ao Festival de Paredes de Coura, tive a felicidade de sintonizar a Rádio Ondas do Lima. O lema deles roça a perfeição: “Rádio Ondas do Lima, fazemos o que pudemos”. Quem ousa fazer rádio assim merece ser ouvido. E a mais não somos obrigados.
Como também merecem ser ouvidas muitas das chamadas que são feitas para as rádios locais e não só. Alguns dos momentos mais inesquecíveis em rádio, não andam longe de algo do género:
- Temos em linha a dona Zulmira. Boa tarde dona Zulmira. - Boa tarde senhor Luís Daniel, já há muito tempo que não falava consigo. - É verdade, já não nos ligava deste ontem. Como se sente? - Sento-me bem obrigada. O que eu não posso é estar de pé. - Isso é efectivamente muito desagradável. - Tenho as pernas cheias de varizes. E doem-me os ossos todos, graças a Deus. - Muito bem. E o que nos tem a dizer do nosso tema de hoje, “grandes músicas italianas”? - Ai senhor Luís Daniel, são maravilhosas! Ai o que eu adoro música italiana! Ai que é tão romântica! - Gosta de algum cantor em especial dona Zulmira? - Gosto de todos, não é? Olhe sei lá, por exemplo aquele rapaz. - O Eros Ramazzotti? - Não sei, é aquele que é cego mas canta que é uma beleza. Gosto tanto da voz dele! Só é pena é ele ter aquela barba, coitado... - Muito bem dona Zulmira. Estamos a terminar o nosso tempo, diga-nos então o que gostaria de ouvir para finalizar a nossa emissão de hoje? - O Paco Bandeira.
I'mNesic said...
Divino este artigo...pena ainda não ter conseguido sintonizar essa emissora tão emocionante que se assemelha a um poço de cultura. Felizmente em Portugal são quase todas assim, uma vastidão de sabedoria que nos deixa indecisos entre ouvir cd's ou cd's.
W. said...
Experimentem ouvir a RFM 8 horas por dia no trabalho e se por acaso não se suicidarem, descobrirão um novo significado para a sigla: Rádio F*de a Mente!
PS: Aposto que esse diálogo foi ouvida nos discos pedidos da ABC...
Shôtôr said...
Eu durante o meu expediente de trabalho (7.30 horas) e enquanto estou sentado na minha secretária ouço (porque não tenho outra hipótese) a RNA de Odivelas (Rádio Nova Antena), que mistura uma selecção cuidadosa dos piores anuncios de sempre com grandes clássicos da música (normalmente rock) e alguns singles novos ( mas muito raros). A chamada nova antena só dá velhos clássicos...
Joana said...
É o nosso Portugalito em fm. Realmente se não for a Radar e a Marginal... Mas essa genuinidade das rádios mais locais também tem o seu quê. E são essenciais sobretudo para os velhotes deste país que andam insuportavelmente sós. Mas isso já seria começar a falar a sério e aqui não é suposto. Pois n???!!! Em relação à RFM...pois, realmente é mais ou menos isso, sim. lool
p-s: Acho que devias dar uma oportunidade à hora do terço. Não negues à partida...e o resto já sabes ;)