Desenvolvi ao longo destes últimos anos de escrita, a tese de que é possível escrever algo risível sobre qualquer assunto. Qualquer assunto mesmo. Tive a prova final quando aqui neste bidé, me decidi a escrever sobre botijas de água quente. Depois de se escrever sobre botijas de água quente, começa-se a acreditar que o céu é o limite.
Mais recentemente, dei por mim a pensar que esta suposição pode não ser inteiramente verdadeira. Tenho passado muito, mas mesmo muito tempo a meditar sobre este assunto. Sobretudo, enquanto vejo os jogos da Superliga, durante as paragens para assistência a jogadores, por faltas cometidas.
Neste momento a minha conjectura aponta para que haja pelo menos um tema sobre o qual não será possível escrever rigorosamente nada.
Depois de muito ponderação, anuncio ao mundo a minha conclusão: só pode ser o corta-unhas!
O corta-unhas é o objecto menos enigmático e mais previsível que existe. Enquanto pode muito bem haver quem não saiba o que é um escafandro, um massajador facial ou até mesmo um desandador de caçonetes, quando se menciona um corta-unhas, ninguém pode jamais perguntar, “O que é isso?”. É um objecto que peca por ser excessivamente óbvio.
Foi este o mote que me levou a considerar fortemente a possibilidade de ter encontrado um tema impossível.
Há 50 anos atrás, um homem que se apresentasse com as unhas minimamente limpas e as cortasse com alguma regularidade, seria logo rotulado como maricas. Era inevitável. Em poucas décadas, os conceitos alteram-se de tal forma que hoje em dia há quem lhes chame metrossexuais.
Para grande infeliciadde da minha tese, não pude deixar de lamentar que estava a começar a chegar a algum lado.
A verdade, é que o corta-unhas foi ganhando o seu espaço na nossa sociedade. Até que às páginas tantas, passou indubitavelmente a fazer parte do ESTOJO DE SOBREVIVÊNCIA de toda uma geração de homens portugueses. Em conjunto com o pente e o palito. Nenhum homem se atrevia a sair de casa sem estes indispensáveis objectos.
Aqui apercebi-me que já estava a avançar demais. Grave, grave, é que ainda havia muito para dizer.
Lembrei-me também que podia mencionar a relação das pessoas de idade com os corta-unhas. Os idosos não têm relação nenhum com os corta-unhas. Nomeadamente, no que diz respeito à cortadela das unhas dos pés. Sabemos que estamos a ficar velhos quando só conseguimos cortar as unhas dos pés com uma tesoura de podar. Ou uma turquês.
Ai ai, que já dei cabo de um axioma perfeitamente razoável! - pensei para com os meus botões.
Por incrível que pareça, há quem considere o corta-unhas perigoso. Não estou certo de que nos dias que correm, deixem passar pessoas no aeroporto com um corta-unhas no bolso.
Deixem-me que lhes diga que o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras está é a violar um direito básico e elementar de qualquer cidadão que se considere bom português: o direito ao porte e posse de corta-unhas.
Quando resolveram adiar o referendo, estava até a preparar-me para votar “não” ao tratado da constituição Europeia, se não encontrasse por lá consagrado, nenhum artigo que mencionasse a livre circulação de corta-unhas na Comunidade.
Francamente, tirando a América, onde é que já se viu uma coisas assim? Eu até preferia que me mentissem do que dizerem que me vão confiscar o corta-unhas por uma questão de segurança. Preferia mil vezes que me dissessem, “Desculpe mas o senhor não pode entrar no avião com esse corta unhas”. Ao que eu responderia, “Ora essa!, então porquê? Têm medo que eu sequestre o avião com a lima das unhas, hi hi hi?”, “Não, temos medo que lhe dê para cortar as unhas em pleno voo. Não há som mais irritante que esse! É insuportável! Insuportável, percebeu? Percebeu???”
Por incrível que pareça, afinal sempre é possível escrever sobre corta-unhas. O que é um transtorno enorme. Mas não perdem pela demora, ainda há-se chegar o dia em que eu descubra um tema intratável! Oh se há-se, oh se há-de…
Chibo Ranhoso ® said...
Ó Gervasio queres um tema sobre o qual não há nada para escrever é?? Experimenta escrever sobre politicos serios e honestos, essas grandes figuras que estão na linhagem do Pai Natal e do Superhomem, toda a gente já ouviu falar deles, mas nunca ninguem o viu. marta said...
A-HHH. Gostei :) Rain said...
Resumindo: também dá para escrever sobre isso. Acabaste de o fazer! lol PreDatado said...
Podes escrever sobre o porta-moedas. Também tem um hifen. António Raminhos said...
Muito boooooooooom. Mais do que esse surpreendente tema, assusta-me o modo como te lembras dessas coisas! Anónimo said...
Enquanto caloira, cortei muita relva com um corta-unhas... agora como profissional, recorro ao chamado ALICATE DE UNHAS para os doentes mais idosos, e deixa que te diga: manter a boca fechada e velar pela segurança dos que andam pelo serviço.. afastar a quem estiver a menos de 1km de distância... mal tu sabes a projecção que aquelas garras adquirem após o corte!!! mas é sempre um belo tema! W. said...
Não era algo risível? Anónimo said...
O corta-unhas, esse grande pequeno objecto que nos faz perder uns milímetros de mão a cada cortadela. Mas para temas em que nada há para dizer, como se pode ver, que tal uma apresentação do saca-rolhas? Composto de duas palavras com pequeno traço longitudinal entre elas, quase nada haverá para se lhe aclamar. Poderia citar Herman José e a abertura do garrafão, confesso que nunca abri um garrafão com um saca-rolhas, mas não cessarei a minha existência sem o fazer, ou não me chamo Evilution. Com a breca, lembrei-me agora também do dedal... soleil said...
Olá! Ao que posso constactar ainda não anda medicado!! Quanto ao post só me resta dizer, que além do corte de unhas em público, nada é mais emético do que ver tirar a cera dos ouvidos , os macacos do nariz (com a 'unhaca')ou as fungadelas para dentro... haja paciência...(afinal sempre se pode escrever sobre tudo :-P) Anónimo said...
Meu caro, é possível escrever sobre tudo! Tudo mesmo! E o pior, é que é possível escrever sem que se diga nada de jeito a não ser palha, muita palha. É a chamada verborreia. Joana said...
Só tu!!...para alimentares linhas e linhas e linhas e linhas...e linhas sobre a impossibilidade de 'abordar um certo assunto'... :)
Isso é quase tensão analítica de neurótico, filósofo ou psicólogo. E acredita que isto é elogiante ;)... Mas no essencial é, acima de tudo, uma característica excelente para um escritor. Joana said...
De repente apercebi-me que nem toda a gente tem a obrigação de perceber que a neurose pode ser uma coisa muito boa. Mas é, ok?...Não te estava a chamar nomes. Pronto. Era só mais isso. Bjinhos Joana said...
...cof cof. A utilização de pinças na praia também...agora lembrei-me assim de repente que...enfim, é um assunto que também pode, pronto...
(não me posso apanhar com internet no trabalho)
Pronto. agora é que é. Fui. Anónimo said...
"Sabemos que estamos a ficar velhos quando só conseguimos cortar as unhas dos pés com uma tesoura de podar. Ou uma turquês." Tá muito boa. Nada como acordar ao sabado de manha e ler isto!!!!!!!!!!!!!! Anónimo said...
fica sabendo que andei ficando retida no aeroporto por causa desse belo objecto. e na última viagem que fiz de autocarro (aquela) pareceu-me ouvir alguém a utiliza-lo.