Os contos infantis levam-me a duvidar da educação que se anda a dar às nossas crianças. A intenção até pode ser boa (adormecer rapidamente os filhos para se ter sexo mais descansado), mas temo que o resultado da longa exposição a contos infantis, possa ser catastrófico para a vida futura das crianças. Há razões mais do que suficientes para afirmar que estes contos estão repletos de péssimos exemplos e deixam os mais pequenos ainda com mais dúvidas em relação ao mundo que os rodeia. A verdade é esta, muitos dos contos infantis, estão muito mal contados.
Resolvi dedicar-me à penosa tarefa de desmontar os mais conhecidos contos para crianças. Vamos começar pelo... Capuchinho Vermelho.
Primeiro, a questão familiar. Ao que sabemos, a avó estava doente, a morar sozinha e dependia da menina para se alimentar. Esta gente nunca terá ouvido falar em lares? Nem ao menos lhe garantiam o apoio domiciliário a idosos? Que espécie de família é esta que permite que uma menina atravesse uma floresta sozinha, e que deixa uma senhora de idade avançada a viver isolada no meio de um bosque? Quanto a mim, a resposta é muito simples: a menina do capuchinho vermelho é fruto de uma família desagregada. Muito possivelmente, monoparental. Sabe-se que vivia com a mãe mas nada se sabe do pai. Será que o pai era alcoólico? Terá ido comprar tabaco e nunca mais voltou? Abandonou a mulher e a filha? Descobriu que a menina era filha do padeiro? Trocou a esposa por uma brasileira? Não sabemos. A única coisa que sabemos é que o pai é uma figura ausente na vida desta criança. Isto, juntamente com a dramática situação de ter estado na barriga de um lobo mais a sua avó, deixou-lhe necessariamente traumas que somente muitos anos de terapia e antidepressivos podem tentar diminuir.
Com facilidade encontramos mais provas das minhas suspeitas. Lembro-me que em nenhum momento da estória, nos é dito o nome da menina do capuchinho vermelho. Algo de muito estranho se passa aqui. É claro como a água, que o autor está a tentar proteger a sua identidade. Das duas, uma: a menina foi posta ao cuidado de uma instituição de solidariedade social ou integrada num programa de protecção de testemunhas. Que outro motivo haveria para se dar o protagonismo da estória a um capuz? E se o capuz vermelho era assim tão importante, porque é que no final do livro não chegamos sequer a saber o que lhe aconteceu?
Gostaria agora de chamar a vossa atenção para a parte da estória em que o lobo vira travesti. Esta é talvez a primeira vez que tomamos conhecimento de um animal que adere ao travestismo. Não sei se haverá muitos casos destes, no entanto, se já é difícil explicar a miúdos e miúdas de tenra idade, que há homens que preferem vestir-se de mulher, imaginem o que será explicar um mamífero de quatro patas com a touca e a camisa de dormir de flanela de uma idosa. Não queria estar na pele desses pais.
Mais: mesmo sendo um leigo em estomatologia, sei que comer uma velhota inteira sem a mastigar, só pode fazer um mal desgraçado ao estômago do animal. Já para não falar dos intestinos! Uma vez mais, um mau exemplo para as crianças. Ao lerem ou ouvirem esta estória, os petizes, podem ficar a pensar que não faz mal nenhum ingerir todo o tipo de coisas que quiserem, sem as mastigarem bem. E quem diz engolir avozinhas, diz: engolir pedras, sapatilhas, canivetes suíços ou o pior de tudo – legumes e hortaliças.
Por fim, a entrada do caçador em cena. Reparem que o caçador não matou o lobo com a espingarda. Matou-o com uma faca. Este facto, leva-me a suspeitar que o homem andava a cometer ilegalidades. Ou era do regime cinegético geral e estava a caçar numa reserva ou então, não tinha a licença de Uso e Porte de Arma em dia. Para finalizar, deixem-me só fazer mais uma pergunta: será que o caçador terá parado por um segundo para se lembrar que o lobo é um animal em vias de extinção e protegido por lei? Não. Está visto que para ele, matar um lobo que comeu avó e neta é a mesma coisa que matar um coelho ou uma codorniz. É este o mundo vergonhoso em que nós vivemos.
Enfim, este conto é um atropelo a todas as convenções sociais e aos mais elementares direitos dos animais. Não sei como podem dizer que a estória do Capuchinho Vermelho tem um final feliz.
Sabem, começo seriamente a desconfiar que esta estória pode muito bem ter-se passado em Portugal. E se assim foi, também não entendo como é que não esteve lá a TVI ou o 24 Horas…
Joana said...
Este comentário foi removido pelo autor.Joana said...
Querido Gervásiozinho, fascinante esta tua cuidadosa análise alternativa a respeito das temáticas de rivalidade feminina, triangulação edipiana, voracidade oral, complexo de castração, simbologia da cor, e transição para a puberdade, problemáticas patentes neste conto "inocente". Mais te digo que considerarei este teu ensaio na minha tese final de curso. Acho que pôr o blog do bidé nas referências bibliográficas vai interceder a meu favor quando for tentar convencer o júri que mereço uma boa nota ;) Beijos funtásticos Anónimo said...
Brilhante... simplesmente brilhante! Valeu a pena a (longa) espera! Vá, é para continuar SFF!
Tchi... demais! Heehee! Sara said...
Há uns tempos fiz um post do género sobre a canção que ensinam às criancinhas "O mar enrola na areia"(http://amagodaalma.blogspot.com/2007/01/canoneta.html#comments) Mas esta análise está muito melhor! Sun said...
É a primeira vez que visito o teu blogue e diverti-me ao ler a tua perspectiva do capuzinho vermelho. Lembrei-me do livro Psicanálise dos Contos de Fadas. Beijinhos eu mesma! said...
muito divertida esta desmontagem... já agora porque não fazê-lo com as outras histórias infantis? Anónimo said...
Not funneh