sexta-feira, janeiro 04, 2008

Observar acidentes: um passatempo português


Li na primeira
Expressões um artigo sobre o elevado número de acidentes rodoviários no distrito e fiquei com a pulga atrás da orelha (quem me manda a mim ler a revista num banco de jardim, enquanto faço festas a um cão vadio?). Como se sabe, o período de Natal e Ano Novo é sempre bastante negro nas estradas portuguesas, embora haja quem não encare esse facto de uma forma tão negativa. É o caso de oficinas, fabricantes, marcas e stands de automóveis que são gente mais optimista. Eles até estão dispostos a confirmar que é assim que a economia cresce e avança!

Na Passagem de Ano é costume pegar-se em doze passas e formular outros tantos desejos. Sempre considerei que até para uma grávida, são desejos a mais. O que faço normalmente é pegar em apenas uma e desejar que, no novo ano, o meu carro não fique feito numa passa. Quem circula nas estradas portuguesas com frequência sabe que este é um desejo tão difícil de concretizar como ganhar o Euromilhões ou a União de Leiria ter, vá lá, 100 adeptos no estádio.

Mais inquietante que a elevada sinistralidade automóvel só mesmo o elevado números de condutores que gostam de espreitar de perto automóveis sinistrados. O que se percebe daqui é que observar acidentes é o passatempo predilecto dos portugueses. Esta é a prova de que somos um povo solidário. Se alguém se estampa, somos impelidos a parar o nosso veículo onde quer que seja, na tentativa de provocar logo outro acidente para ninguém se ficar a rir.

Nós portugueses, enquanto presença regular em acidentes, estamos lá para ajudar? Estamos lá para facilitar? Não e não. Não gostamos de meter o bedelho no trabalho dos outros. Há pessoas pagas para isso. Então o que nos faz interromper a nossa viajem, por mais pressa que tenhamos, deixando o carro estacionado de qualquer maneira só para dar uma vista de olhos em chapa amachucada? Eu explico. Todo o português que se preze tem dentro de si um gerador instantâneo de teorias sobre acidentes. Ou seja, o observador de acidentes, está lá para tentar perceber se acertou em cheio no seu palpite. Esta invulgar aptidão bem portuguesa permite-nos tecer deste as teorias mais triviais, “Só pode ter sido excesso de velocidade, pá”, “O gajo adormeceu ao volante”, até às mais rebuscadas, “Foi de certeza um OVNI! Vinha em contramão com os máximos ligados e encandeou o condutor desta furgoneta capotada.”

Também tenho constatado um fenómeno que ocorre em Portugal e de que, estou certo, somos precursores: se há um acidente numa via rápida ou numa auto-estrada forma-se instantaneamente uma fila. Mas atenção: é uma fila no sentido oposto! O curioso é que este é o único género de filas em que os portugueses não protestam nem buzinam. E percebe-se: estas filas dão um certo jeito. Se se conseguisse circular com velocidade, não se viam bem os estragos nos veículos acidentados nem se conseguiam tiravam boas fotografias com o telemóvel.

Recentemente, e graças ao próprio governo, os portugueses ganharam um motivo acrescido para parar abruptamente nas bermas das estradas: com o encerramento de inúmeras maternidades, temos a hipótese de assistir ao vivo e com bastante frequência ao nascimento de bebés. É no fundo, um espectáculo comovente que o governo nos quer proporcionar. O Estado percebeu que faltavam motivos de alegria ao povo e não hesitou em fechar algumas maternidades para o conseguir. Muito bem visto e digno de registo.

E agora, caro leitor, resta-me desejar-lhe um excelente 2008. Mas não se esqueça: se conduzir, cuidado com as passas.

4 comentários:

  1. Muito bom. É exactamente assim e concordo plenamente com o post.
    Enfim é Portugal.

    Cidália

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  2. Eu acho que, até nestes tipo de filas, há sempre uns que apitam de vez em quanto: os de trás...aflitinhos para chegarem à sua vez de tecerem as suas teorias sobre ETs ;)

    E fica registado o seu aviso...se conduzir não comerei passas...lol

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  3. Eu costumo apelidar os nossos observadores privados de sinistralidade rodoviária de: "orçamentistas". Do fenómeno psicótico de observar acidentes alheios não me é nada estranho, porque cada vez que passo por um sinistro, os "orçamentistas" estão lá sempre (se não estiverem é que caso para se estranhar).

    O pior são as filas que um "não-envolvido-directamente-no-acidente" se vê como protagonista involuntariamente. Basta estar na estrada errada, na hora errada. E isso, parece que não, atrasa o país, é péssimo para a economia nacional. Como não tenho jeito nem paciência para ser "orçamentista",pertenço àquela percentagem de pessoas que só quer sair dali (até porque me atrasa mais a vida aqueles tempos de espera que a situação implica)

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